Era uma tarde de dezembro, dia 17 talvez. Eu estava
matando aula – ou as aulas já haviam terminado? Não me lembro... – era fim de
tarde e eu estava com alguma colega jogando vôlei antes de ir para casa. Era
uma bola muito velha – ou uma bola de plástico? não me lembro – e não dava para
jogar direito. Tudo bem, não sabíamos jogar. Um menino observa e aparece com
uma bola de vôlei de verdade e nos ensina a fazer algo parecido com o que hoje
conhecemos como manchete. Parecia o Kiko, aparecendo com uma bola nova, nos
fazendo esquecer do brinquedo velho.
Começou a chover. “mas você está de guarda-chuva” me disse
o menino apontando para minha camiseta branca com o desenho de uma Minie
segurando um guarda-chuva. Sorri, pois não havia prestado atenção na minha
camiseta antes.
Isso aconteceu em 1994, eu tinha 10 anos e estava na
quarta série.
Esse menino era o Gabriel. Neste dia eu aprendi que vôlei
não era só jogar a bola pra cima, passei a prestar mais atenção às coisas,
levei um xingão do meu pai por tomar banho de chuva e ganhei um amigo.
Não me lembro como continuamos nossa amizade. Mas ela
continuou. Ele, um ano mais novo que eu, estudava em outro turno, fazia outras
coisas, conhecia outras pessoas. Mas sempre nos encontrávamos.
Naquele dia não sabia que ele tinha irmãos, não sabia
quem eram seus pais, não sabia onde moravam. Não sabia que tínhamos quase o
mesmo número de telefone, que quase todas as nossas piadas seriam influenciadas
pelo Chaves, nem que teríamos melancolias parecidas, nem que acreditávamos no
mesmo Deus, nem que freqüentaríamos a mesma igreja, que teríamos a mesma fé,
que freqüentaríamos a casa um do outro, ou que viajaríamos quilômetros para nos
encontrarmos simplesmente porque gostávamos de estar juntos.
Assim se seguiram nossas vidas. Várias tardes, várias
noites,várias viagens, vários filmes, várias músicas, várias piadas, os mesmos
risos, algumas lágrimas. Alguns amigos mais chegados que irmãos.
Fui morar em Campo Grande, ele foi me visitar. Voltei a
Mundo Novo, o segundo lugar que fui foi sua casa. Fui morar em Cascavel. Minha
terceira casa sempre foi sua casa. Fui para Novo Sarandi, minha mãe contou com
ele para encabeçar minha festa surpresa de 21 anos. Fui para Toledo, adivinha
quem se aventurou comigo na BR esburacada de madrugada, de Bis, em seu primeiro
dia de férias para me proporcionar a alegria de assumir um concurso público
depois de tanto tempo de estágio e vida de merda?
Viajamos, rimos, fizemos planos, cortamos planos, sempre
distantes geograficamente, nunca separados. Desde que vim para Curitiba me visitou
várias vezes. Uma amizade de 18 anos, sem desentendimentos, sem discussões,
sempre muito francos um com o outro. Até mais do que gostaríamos...
Muitos dos nossos planos funcionaram. Alguns porém, eram
impulsivos demais para ele, outros, organizados demais para mim. Estes
orquestramos sozinhos. Ainda assim com apoio, ou pelo menos conhecimento mútuo.
Uma coisa, no entanto, não consegui fazer, que foi
visitá-lo em Campo Grande. Ele se mudou para lá se não me engano em junho deste
ano. Eu teria ido para lá em julho se não tivesse torrado toda minha grana na
Argentina.
Na semana retrasada ele me manda uma mensagem, para me
contar, segundo ele “não boas notícias”. Estava internado, lutando contra um
câncer. Essa notícia me veio em um “não bom momento” por qual eu passava. E me ajudou
a ver que não somos nada, portanto não podemos julgar ou ser julgados por
nossas incompletudes.
Meu coração se uniu ao dele, mais do que nunca, e toda a
minha força se concentrava na esperança de vê-lo sair daquele hospital. Continuava
conversando com ele por mensagens; no penúltimo sábado foi a ultima vez em que
ouvi sua voz. Na ultima terça recebo sua mensagem de que saiu bem da cirurgia e
estava sem dores. Essa foi a última mensagem dele que recebi.
Infelizmente ontem soube que ele não resistiu. Não pude
vê-lo sair daquele hospital, não pude mais ouvir sua voz nem ler suas
mensagens. Não pude fazer nada. Ainda não pude ir ver sua família, que com o
passar dos anos se tornou parte da minha vida.
Mas ainda me lembro claramente de sua voz e tudo que
minha memória ouve com o som dela são suas piadas, seus trocadilhos, seus
planos, suas esperanças e seus risos.
Sério, depois que desliguei o telefonema de minha irmã
que me ligava para me perguntar se o que ela estava sabendo era verdade, o que
esperava era receber seu telefonema ou sua mensagem me dizendo: “brincadeira de
criança, como é bom, como é bom”.
Gabriel vai deixar comigo um desejo de realizar coisas
que já havia desistido, lembranças de um tempo muito bom que não volta, de
outro tempo melhor, que ainda está por vir e uma saudade profunda da amizade
que mais marcou a minha vida.
Te amo Gabe.
P.s .: O último texto que postei neste blog foi um tanto
abstrato. Mas era destinado a uma pessoa muito querida a quem eu estava prestes
a perder. Graças a Deus, tudo deu certo e eu pude enviar o texto para que a
pessoa lesse e soubesse o quanto é importante para mim. Queria ter escrito este
texto, ou algo parecido com ele, ontem de manhã, para que o Gabe lesse depois
da primeira etapa da quimioterapia. Mas infelizmente tudo foi tão rápido que
não pude alcançar o objetivo desejado com este texto. Porém, me sinto feliz hoje
poder dizer que eu sempre deixei claro para o Gabe o quanto ele é importante
para mim.
Só o q nos resta são as lembranças da pessoa maravilhosa q o Gabriel foi, um grande amigo, q mesmo nos deixando um grande vazio por sua ausência, tbm nos deixou a sua alegria, a sua determinação, pena ñ saber q minha viagem a Campo Grande seria nossa ultima viagem juntos com certeza teria ficado mais tempo lá, + msm valeu a pena estar com ele e compartilhar a alegria do seu sonho sendo realizado, ver como ele estava feliz e realizado, me alegro por ter feito parte da vida dele e deixar claro pra ele q ele era importante pra mim...
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